terça-feira, 15 de setembro de 2015

Tripé Básico do Cristianismo: Partes 1, 2 e 3

 João R. Weronka
tripe-basico-do-cristianismoCreio que muitos cristãos concordam comigo que a igreja evangélica brasileira passa por um tempo difícil, um tempo de crise, seja ela de identidade ou mesmo teológica. Não quero e nem vou me aprofundar neste estudo sobre o que são os devaneios de “nossa” liderança gospel, que tem gerado inúmeras feridas no corpo. Esta crise é fruto do descaso que muitos líderes e crentes tem dado ao que chamo de Tripé Básico do Cristianismo, que consiste em:

1) Crer – a fé em Deus, nossa crença no único Deus;
2) Ensinar – ensinar acerca de Deus; levar o conhecimento da Palavra de Deus e do Deus da Palavra;
3) Defender – fazer a séria apologética cristã, defendendo os princípios elementares desta fé.

Creio piamente que devemos nos atentar a este tripé. Creio que ele pode produzir maturidade na vida das pessoas. Não se trata de uma fórmula mágica importada de Bogotá, Toronto ou Pensacola. Não se trata de a mais nova revelação neopentecostal. É apenas a aplicação simples de princípios que a Bíblia Sagrada – e de modo especial o Novo Testamento – nos mostram. Nós do NAPEC – Núcleo Apologético de Pesquisas e Ensino Cristão, somos um ministério paraeclesiástico que busca alertar a igreja sobre a importância do ensino bíblico genuíno e sobre a defesa da fé cristã. Não nos conformamos em ver o Evangelho sendo diluído em falsos ensinos e correntes nefastas. Por isso lançamos este alerta.

Crer

Quão fantástico e glorioso é quando uma pessoa abandona uma vida de escravidão ao pecado, uma vida distante de Deus e se encontra, de modo verdadeiro com Jesus Cristo, entregando sua vida a Ele e tendo-O como seu único Senhor e Salvador! Pude presenciar inúmeros encontros assim e ver, à medida que o tempo passou, a transformação que a genuína conversão produz. Esta profunda mudança é o “nascer de novo” (Jo 3.3). Jesus ilustrou a magnitude do momento do arrependimento através da Parábola da Dracma Perdida. No arremate desta parábola, Ele diz que “há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende” (Lc 15.10). Há júbilo, há festa, há imensa alegria nos céus quando uma pessoa passa a crer em Deus.

A Fé É Um Dom Divino Sobrenatural. O pecado e Satanás cegaram de tal maneira os homens caídos (Ef 4.18; 2Co 4.4) que estes não podem perceber que o testemunho que o Senhor Jesus e os apóstolos deram é a Palavra de Deus, nem podem ‘ver’ e compreender as realidades das quais ela fala (Jo 3.3; 1Co 2.14), nem ‘chegar’ até Cristo numa confiança de auto-renúncia (Jo 6.44,65), se o Espírito Santo não os iluminar (cf. 2Co 4.6).” [1]

Somente aqueles que foram iluminados pelo Espírito Santo e nasceram de novo podem receber este ‘ensino’, ‘atração’ e ‘unção’ divinos e chegar até Cristo e nEle confiar (Jo 6.44-45; 1Jo 2.20,27). Deus, portanto, é o autor de toda fé salvífica (Ef 2.8; Fp 1.29).

A parte triste é que muitos não querem fazer a sua parte. Poucos são aqueles que estão verdadeiramente dispostos a experimentar a maravilha de entender aquilo que crêem. Tais crentes se tornam ovelhas desnutridas, sujeitas aos ventos de doutrina (Ef 4.14). Relacionar os motivos de tamanho desleixo não é tarefa difícil. Posso citar ao menos três deles:

1. Lideranças despreocupadas: quando não existe, da parte do pastor o devido zelo pela sã doutrina, o rebanho será desnutrido, fraco e imaturo;

2. Experiências Pessoais: pessoas que levam suas experiências pessoais e “revelações” acima das Escrituras, criando verdadeiras anomalias espirituais e por muitas vezes doutrinas heréticas embasadas em tais experiências e sem o mínimo respaldo bíblico;

3. Preguiça: Crentes preguiçosos que preferem passar a vida comendo mingau não desejando alimento sólido. Muitos destes acabam se decepcionando por não se aprofundar em Deus e ao se decepcionar lançam a responsabilidade sobre terceiros.

Nenhum de nós chegou ao conhecimento de Deus e à salvação em Cristo através de mérito próprio. Nossa natureza é caída, rebelde e carnal. Nossos impulsos nos levam para longe de Deus. A salvação é um presente de Deus para nós – feito que provém de Deus unicamente (Ef 2.8). O “crer” leva o homem a ter que se posicionar de modo formal diante de Deus, respondendo o chamado que o Senhor faz. Trabalhei certa vez sobre este tema com uma turma de Escola Bíblica, demonstrando a salvação chegando ao carcereiro de Filipos (At 16.27-34). Esta passagem resume de modo maravilhoso a obra de redenção que leva o ser humano ao caminho da profunda fé salvífica (crer) no Senhor Jesus. Tal carcereiro clamou por salvação (At 16.30); ouviu a palavra e ensino de Paulo e Silas (At 16.31-32); agiu mostrando a mudança imediata que Deus operou ali (At 16.33); alegrou-se com sua família e com a comunhão com seus irmãos em Cristo (At. 16-34).

Enfim, crer é o estopim que produz profundas mudanças na vida daquele que foi redimido por Deus. Mas o crente não pode se contentar e se conformar em ficar no raso, ele deve ter a ciência que é indispensável estabelecer bases sólidas acerca do ensino (sobre a fé) e a defesa (apologia da fé). E como a igreja tem negligenciado os mandamentos do Senhor relacionados a estas importantes pernas deste tripé!

Este texto é apenas a introdução ao tema. Na próxima semana trataremos do tema “Ensino”. Mas para que você possa ir refletindo desde já, lanço algumas perguntas:

1) Como anda sua fé? Você tem dado o espaço para que o Espírito Santo encha sua vida da plena convicção?

2) A igreja que você freqüenta – sua congregação – tem dado o devido apoio ao ensino? Existe uma escola bíblica (realmente bíblica)? Você a freqüenta?

Toda honra e glória ao Senhor!

Notas

[1] 
PACKER, James I. in ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Vol II. Edições Vida Nova. São Paulo, SP: 1990. p.154

Fonte: NAPEC

 João R. Weronka
tripe-basico-do-cristianismoEnsinar a Bíblia... é com muito pesar que escrevo isso: a Escola Bíblica se tornou um ministério fora de moda na igreja em nossos dias. Infelizmente vivemos o tempo do “oba-oba” nas igrejas evangélicas. Muita emoção, pouco compromisso (genuíno) com Deus. As igrejas parecem restaurantes espirituais, onde é posto um menu e o crente freguês consome apenas a mercadoria que lhe apraz. Cultos mecânicos dirigidos por ministros de plástico programados para falar, pular, berrar e agir de modo que agrade sua platéia, ávida por ouvir “pregação” que traga uma mensagem antropocêntrica geralmente relacionada a uma vida de prosperidade material ou coisas do gênero.

O retrato de uma igreja que abandonou o ministério de ensino bíblico é lastimável. Conforme as palavras de R.N. Champlin, tal igreja se torna “infantil, carnal, com disputas e cisões na igreja local. Um povo faminto espiritualmente, será um povo infeliz. A ausência de ensino cristão arma o palco para apostasia”. [1] Você já presenciou esta realidade triste? Eu posso falar sobre isso com propriedade.

É evidente que os cristãos não são enciclopédias ambulantes com capacidade de armazenar todos textos bíblicos de Gênesis a Apocalipse, mas existem informações muito básicas (que refletem nossa qualidade espiritual) que precisam e devem ser armazenadas, ou melhor, aprendidas.

Certa vez, perguntei para uma pessoa que freqüenta uma igreja evangélica há dez anos, sobre o livro de Tobias (texto apócrifo constante apenas nas versões Católico Romanas), e esta pessoa não tinha certeza sobre onde encontrar o livro em sua Bíblia... triste ver tal condição em crentes com tanto tempo de igreja, mas muito mais triste é ver que em sua comunidade não existe um convincente programa de ensino bíblico.

A Bíblia mal é manuseada em cultos, sendo misturada com ensinos dos gurus da envenenada Teologia da Prosperidade. Servindo alimento assim, como que o rebanho poderá crescer na graça e no conhecimento? Como expôs Paulo Romeiro sobre o problema do método de ensino materialista das igrejas neopentecostais onde os líderes ensinam que “a vida do cristão deve ser livre de qualquer problema. Ele deve morar em mansões, possuir carros caros, ter muito dinheiro e muita saúde. Se isso não ocorrer, estará caracterizada a ausência de fé, a vida em pecado ou então o domínio de Satanás. Em outras palavras, a característica do cristão maduro é a plena saúde física e emocional, além da prosperidade material”. [2] Pergunto: que Evangelho é esse? Que ensino é esse?

Se os crentes seguissem o exemplo dos cristãos da cidade de Beréia, não teríamos tamanha farra espiritual e teológica. Os crentes de Beréia foram chamados de nobres, já que examinavam as escrituras para comprovar se os ensinos eram condizentes (At 17.11).

O exame bíblico: a importância do ministério de ensino

O ensino numa comunidade cristã pode ser realizado através de muitos meios, mas é na escola bíblica, um departamento exclusivo para este assunto, que o caminho para maturidade é aberto. A Bíblia Sagrada mostra como o ensino é importante e apresenta parâmetros para que o mandamento de Deus seja cumprido. Além disso, mostra que estar na escola é uma dádiva tanto ao aluno como ao professor.

O mandamento

O Antigo Testamento mostra a importância que o ensino tinha na vida daquele povo. Observamos que Moisés foi um grande professor da Palavra de Deus aos judeus (Dt 4.10; 6.7; 4.14; 4.5). Por conseqüência temos a característica de ensino dentro dos ministérios levítico e profético, passando pelas “Escolas de Profetas”. Após o exílio, um complexo sistema de ensino foi criado (Escolas de Sinagoga). A sociedade incorporou a necessidade ao ponto que até as crianças dedicavam muito tempo ao estudo da Palavra de Deus.

No contexto do Antigo Testamento, temos uma relação de homens usados por Deus para ensinar Seu povo:

- Samuel (1 Sm 12.23)

- Josafá (2 Cr 17.7-12)

- Esdras e Neemias (Ne 8.17)

- Davi (Sl 51.13 – Cf. Sl 25.4; 27.11)

- Isaías (Is 28.10)

Passando para o Novo Testamento, verificamos que a ênfase de Deus no ensino permanece com sua devida importância. Acima de qualquer pessoa que tenha passado pela Terra temos em Jesus Cristo o mestre por excelência. Jesus foi um exímio ensinador. É preciso resgatar esta essência urgentemente! Vejamos a forma que a Palavra narra esta característica tão peculiar de Jesus:

E percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas suas sinagogas e pregando o evangelho do reino, e curando todas as enfermidades e moléstias entre o povo.” Mateus 4.23

Porquanto os ensinava como tendo autoridade; e não como os escribas”. Mateus 7.29

Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou.” João 13.13

E Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor; e começou a ensinar-lhes muitas coisas.” Marcos 6.34

Jesus implantou o sistema de ensino e os discípulos deram andamento em tal sistema. Paulo foi um grande mestre. Ele investiu no ensino, por exemplo, quando ficou em Antioquia por um ano deixando mestres preparados naquele lugar para poder partir com tranqüilidade (At 13.1); dedicou três anos em Éfeso e um ano e meio em Corinto (At 13.11). Ensinar e pregar eram vistos de modo distinto, traçando assim o perfil e definindo que os chamados pastorais e de mestre eram verdadeiramente separados (At 5.42; Ef 4.11). Isso nos leva a conclusão que o cristão comprometido com a Palavra precisa de mais tempo de estudo em casa e na Escola Bíblica, e não apenas se contentando com o texto exposto em dois ou três cultos semanais. É preciso mais!

As epístolas paulinas são grandes tratados de ensino e exposição do Evangelho, tanto que Paulo se torna um exemplo vivo de tal aplicação. Veja 2 Tm 1.11; 1 Tm 3.2; 2 Tm 2.2.

Infelizmente, a igreja hodierna não quer dar a devida atenção ao ensino. Um povo ensinado não pode ser manipulado com falsas promessas como as da Teologia da Prosperidade e das modas que a cada dia surgem nos arraias evangélicos. Leitor amado, olhe para sua igreja local, onde você congrega com seus irmãos em Cristo e reflita comigo: O que é importante? O que tem sido pregado? Riquezas ou o Evangelho de Cristo? O que tem sido ensinado? A Cruz? Existe um ministério de ensino bíblico? Pelo menos uma classe? Seu pastor se preocupa com isso? E você?

Como disse D.V. Hurst “poucas dúvidas pode haver quanto à importância do ministério de ensino. Durante o período da história bíblica, o ensinador ocupou posição estratégica na propagação da mensagem de Deus”. [3]

É urgente a necessidade de preparar a noiva de Cristo para Sua volta, e ensinar ao povo de Deus a sã doutrina é mais que necessário para que todos estejam firmes no Senhor e que nenhum se perca.

Conclusão

Concluindo esta segunda perna de nosso tripé, cito as sábias palavras de Wayne Grudem, ao descrever em sua Teologia Sistemática, os “Meios de Graça na Igreja”: “É justo apresentar o ensino da Palavra como primeiro e mais importante meio de graça dentro da igreja. Mas convém acrescentar que esse ensino abarca não só o ensino oficialmente reconhecido, ministrado pelo clero ordenado da igreja, mas também todo o ensino que ocorre nos estudos bíblicos, nas aulas das escolas dominicais, na leitura de livros cristãos sobre as Escrituras e mesmo no estudo pessoal da Bíblia”. [4]

No próximo artigo vamos concluir a análise deste tripé com a terceira perna, o defender. Vamos ver que apologética não é um bicho de sete cabeças nem um artefato de guerrilha, mas sim um meio para alcançar os perdidos. Vamos ver que a apologética é muito relevante para nossos dias. Até lá!

Toda honra e glória ao Senhor!

Notas:

[1]
 CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. 8ª Ed. Vol II. Hagnos. São Paulo, SP: 2006. p.390

[2] ROMEIRO, Paulo. Decepcionados com a Graça. Mundo Cristão. São Paulo, SP: 2005. p.98

[3] HURST, D.V. E Ele concedeu uns para mestres. Editora Vida. São Paulo, SP: 1991. p.10

[4] GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Vida Nova. São Paulo, SP: 2003. p. 804

Fonte: NAPEC

 João R. Weronka
tripe-basico-do-cristianismoQuem precisa de apologética? Afinal, é mesmo necessária a tal “defesa da fé”? Não seria mais proveitoso investir tempo e esforços nos métodos de evangelismo “tradicionais”? A apologética é bíblica?

Se você gosta e entende a necessidade da apologética já deve ter ouvido questionamentos assim ou semelhantes. Se você é um cristão avesso a aplicação e necessidade da apologética já deve ter feito tais questionamentos (ou, ao invés de questionamentos, deve ter afirmado que a apologética é desnecessária). Talvez você não esteja nem lá, nem cá.

Este texto (o mais longo da série – peço sua paciência) finaliza esta simples trilogia e não tem a menor presunção de ser a palavra final sobre o assunto – um vasto assunto – trata-se de uma tentativa de acalmar os ânimos daqueles que não aceitam a disciplina apologética bem como orientar os extremistas que fizeram – e fazem – da apologética algo dispensável.

Não é rara a idéia que a apologética é uma arma de destruição, pois este pensamento permeia a mente de muitos cristãos. Posso afirmar que é um pensamento raso, produto daqueles que não compreenderam o real uso da apologética. Uma simples busca na web mostra o volume de sites, blogs, fóruns, listas de discussão e vídeos recheados de morte, ira e ódio religioso, posições muito aquém da recomendação bíblica de 1Pedro 3.15. Lembre-se, discordância não significa desrespeito.

A maioria daqueles que se dedicam à apologética, deram início naquilo que chamo de heresiologia [1]. É corriqueiro que estes estudiosos, após sua conversão ao cristianismo, se tornem “irados” com suas antigas frustrações religiosas, e acabam se tornando tão “anti-aquiloque eu acreditava” que passam a destilar um veneno religioso muito perigoso. Isso é morte, e nem de longe se assemelha à nobre tarefa apologética.

Seria a apologética relevante?

Sim, sem a menor dúvida. Por ser relevante, não gera morte, e sim vida. Veja como Gregory Koukl mostra o conceito geral que existe a respeito da apologética por aí (conceito tal que queremos derrubar neste texto):

A apologética desfruta de uma reputação questionável entre os não-simpatizantes. Por definição, os apologistas ‘defendem’ a fé. Eles combatem as falsas idéias, destroem especulações levantadas contra o conhecimento de Deus. Tais palavras soam como palavras de combate para muitas pessoas: façam um círculo com as carroças; levantem a ponte levadiça; preparem as baionetas; carreguem as armas; preparar, apontar, fogo! Não é surpresa, portanto, que os cristãos e incrédulos igualmente associem apologética a conflito”. [2]

Tomo a liberdade ainda, de citar Alan Richardson, que demonstra que a apologética é sim relevante:

A apologética trata das relações da fé cristã com a esfera mais vasta do conhecimento ‘secular’ do homem – a filosofia, a ciência, a história, a sociologia e as outras mais – visando demonstrar que a fé não discrepa da verdade descoberta por essas pesquisas. Tarefa como esta deve, necessariamente, ser empreendida em cada época. É mesmo um empreendimento de considerável urgência num período em que os conhecimentos científicos e as transformações sociais se processam tão rapidamente” [3]

Vimos nos estudos anteriores o passo inicial do “crer”, e partimos então para a importância da prática do ensino bíblico em nossas igrejas. No que diz respeito à necessidade e importância da apologética, destaco sua relevância no seguinte:

a) A saúde da igreja; b) A defesa própria; e c) Evangelismo

a) A saúde da igreja

O rebanho, a igreja, a comunhão dos crentes, precisa ser protegida das más influências externas e até mesmo das internas. Precisa de proteção, pois dia-a-dia se levantam falsos mestres e gurus trazendo um novo ensino que se opõem à pureza do Evangelho. Os motivos são diversos, mas é possível destacar alguns:

1. Movimentos sectários: existem centenas ou mesmo milhares de grupos que se opõem à fé cristã. Muitos destes grupos investem tempo e recursos materiais para que possam treinar seus seguidores no trabalho de proselitismo religioso. Muitas são as seitas que são especialistas em fisgar novos convertidos. O processo de discipulado dentro das igrejas precisa receber um plusapologético.

2. Ateísmo e movimentos semelhantes: a massa de pessoas que não crêem cresce a cada dia. E além do fator crescimento, os “sem crença” também se tornaram defensores ferrenhos de seus ideais. É difícil ficar parado vendo tudo isso acontecer e ainda apregoar, como alguns setores da igreja brasileira apregoam, que estamos passando ou mesmo chegando a um super avivamento espiritual. Discordo. O mundo está em franca secularização. A Europa está secularizada, os Estados Unidos estão em secularização e infelizmente as coisas estão em avanço nos arraias tupiniquins. Qual a função da apologética diante deste quadro? É prover nesta ambiente sociocultural tão hostil um cristianismo que não significa suicídio intelectual. Ao conhecer o Evangelho, não abdicamos do intelecto.

Assim pergunto: que avivamento é esse tão apregoado aos quatro cantos? Milhões de CDs e DVDs vendidos? Coleções de crachás dos seminários e eventos que injetam o lixo nas mentes incautas? Evangelho é mudança, é poder para aquele que crê! O cristianismo não pode ser lançado à periferia da existência intelectual, e se trabalharmos este lado em parceria com a ação de convencimento do Espírito Santo alcançaremos frutos de arrependimento e genuína conversão e isso corresponde a avivamento.

3. Heresias internas: assim como foi com a igreja primitiva que enfrentou problemas das mais variadas formas, como por exemplo, Himineu e Alexandre (1Tm 1.19-20; 2Tm 4.14-15) – e o apóstolo Paulo orientou Timóteo a guardar sua fé em relação ao ensino destes – a igreja evangélica está recheada de falsos ensinos. Uma invasão de falsos bispos, apóstolos (e apóstolas!), mestres, gurus e afins se auto-proclamam uma classe super-ungida e levam multidões ao erro. Os programas tele-evangelísticos (que Evangelho é esse pregado na televisão?) estão infectados com a perniciosa Teologia da Prosperidade e esta falsa teologia está nos púlpitos acompanhada de outras aberrações (amuletos, elementos místicos, ofertas “compra-benção”, determinismo, etc.) lançando Jesus Cristo ao banco de reservas.

Por tais motivos, que sequer fazem cócegas na totalidade dos problemas existentes, fica muito claro que a apologética tem muita utilidade (e necessidade). Vamos adiante.

b) Defesa própria

Aquele que acha que não é necessário saber dar respostas se engana. Como disse Jan Karel Van Baalen, “A resposta do escolar: ‘eu sei, mas não sei explicar’, engana somente o escolar. Se não soubermos responder o argumento do sectário, é porque não dominamos os fatos” [4]. É mais que necessário saber os fundamentos de nossa fé, saber verdadeiramente sobre o que cremos, deixar o leite de lado e partir para alimento sólido. O maior beneficiado por este esforço é o próprio cristão.

Vimos no segundo estudo sobre este tripé (ensino) que as Escolas Bíblicas estão “fora de moda”. Pergunto como poderemos formar uma geração de cristãos comprometidos com as verdades bíblicas se estes não são ensinados sobre a verdade? Os jovens andam cada vez mais desconfiados (mesmo dentro da igreja) se realmente a Bíblia é verdadeira; uma juventude alienada, viciada na mediocridade da moda gospel e contaminada pelo relativismo. É complicado. Se não houver um despertar para aquilo que realmente importa, as coisas ficarão muito feias num futuro breve. E mais uma vez pergunto: que avivamento é esse que não produz interesse e amor pelo Deus da palavra e pela palavra de Deus? Estar preparado corresponde a atender o preceito bíblico:

Retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina, como para convencer os contradizentes.” Tito 1.9.

E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição. E muitos seguirão as suas dissoluções, pelos quais será blasfemado o caminho da verdade.” 2Pedro 2.1-2.

c) Evangelismo

É possível conciliar a apologética com o evangelismo? Não tenho dúvidas. Como já vimos, a verdadeira forma de fazer apologética não está naquele conceito distorcido de fazer desta ferramenta uma arma de guerra. A nobre tarefa evangelística requer preparo. Veja este fato interessante descrito por um renomado apologista com mais de 35 anos de serviço. Norman Geisler, logo após sua conversão a Cristo, passou a testemunhar sobre o Senhor junto às pessoas, mas após ser confrontado por um homem embriagado – que afirmou ser formando por um renomado instituto bíblico norte-americano – que tentou desencorajá-lo da pregação evangelística, e após sofrer questionamentos oriundos das testemunhas de Jeová e de mórmons, concluiu que era necessário estar mais bem preparado para a pregação: “Estou convencido de que muitos cristãos deixam de testemunhar porque não querem gastar algum tempo a fim de obter respostas para todas essas pessoas” [5]

Pregar o Evangelho é honroso ao cristão, e a defesa da fé está dentro do próprio contexto da pregação do Evangelho, do contrário, o apóstolo Paulo não teria feito as seguintes afirmações:

Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego.” Romanos 1.16

Mas outros, por amor, sabendo que fui posto para defesa do evangelho.” Filipenses 1.17

Eis o motivo porque faço uso da apologética. Repare nas epístolas que compõem o Novo Testamento, elas são de caráter evangelístico, de instrução, admoestação e com grande viés apologético. Enfim, fazer uma apologética sadia é simplesmente anunciar as verdades do Evangelho para aqueles que não crêem.

Vamos tomar, por exemplo, a tarefa de um missionário que será mandando para um local cuja cultura é completamente diferente da sua. É sabido que a influência da cultura na religião é muito grande, e vice-versa. O chamado divino é essencial, e a preparação é mais que necessária, e na preparação, a apologética também é útil:

Desempenhar o trabalho de missões requer muito mais do que se deslocar de uma região para outra, ou de um país para outro. Precisamos conhecer a cultura do lugar em que vamos semear o evangelho. Junto à cultura, teremos a religiosidade nativa. Conhecer antecipadamente tais elementos nos trará condições para alcançá-los adequadamente”. [6]

Vida cristã como argumento apologético

Apesar dos fideístas levantarem uma série de argumentos contra a apologética, está claro que na Bíblia o Senhor nos manda batalhar pela fé (Judas 3), tendo compaixão daqueles que duvidam (Judas 22) e fazendo tal tarefa com mansidão e respeito (1Pedro 3.15-16). Segundo Norman Geisler:

Quem tentar responder a perguntas de incrédulos certamente será insultado e tentado a perder a paciência, mas nosso objetivo principal é que cheguem ao conhecimento da verdade de que Jesus morreu por nossos pecados; Com uma tarefa tão importante a realizar, não devemos deixar de obedecer a este mandamento” [7]

Certa feita, um irmão em Cristo me disse que havia humilhado um membro de uma seita que batera no portão de sua casa. Ele humilhou aquela pessoa sem apresentar a verdade bíblica a ela. Definitivamente, não precisamos de atitudes assim, que além de ir contra o amor cristão, é algo selvagem, desrespeitoso e intolerante, e isso não é apologética cristã.

Uma apologética eficaz está totalmente ligada à prática do amor. Nós devemos ter o ensino correto, mas também devemos ter a prática correta. Apesar de discordar de grande parte daquilo que é ensinado no movimento da “Igreja Emergente”, empresto as palavras que Brian McLaren (expoente da Igreja Emergente) disse:

... muitas ortodoxias sempre, e em toda parte, têm suposto que ortodoxia (pensamento e opinião corretos acerca do evangelho) e ortopraxia (prática correta do evangelho) poderiam e deveriam estar separadas, para que alguém, no mínimo se orgulhe de tirar um “A” em ortodoxia, mesmo depois de ter tirado um “D” em ortopraxia, o que se trata apenas de uma classe eletiva de todo modo”. [8]

Entendemos que fomos comissionados pelo Senhor para evangelizar, e para tal precisamos agir espelhados no Senhor Jesus. Veja ainda o que Gregory Koukl complementa sobre fazer apologética:

Não é suficiente para os seguidores de Cristo ter apenas mente bem informada. Eles também necessitam de um método eficiente, combinando conhecimento com sabedoria e diplomacia. Necessitam das ferramentas de um embaixador, e não das armas de um guerreiro; de habilidades táticas, e não de força bruta”. [9]

Enfim, ortodoxia cristã sem a prática, sem a vivência do Evangelho se torna nada. Jesus nos deu dois grandes mandamentos: amar a Deus acima de tudo e todos – e isso é o parâmetro que rege nosso relacionamento com Deus. Você o ama? – e o amor ao próximo – nosso relacionamento interpessoal nos mostrará como está nossa ortopraxia (Mateus 22.35-40). Não dá para fazer apologética sem no mínimo ansiar em amar ao Senhor verdadeiramente sobre tudo e amar o próximo como a si...

Levando em conta esta condição indispensável, concluo esta trilogia citando a palavras de William Lane Craig, um dos grandes apologistas de nosso tempo: “Na maioria das vezes, o que leva um incrédulo a Cristo não é o que você diz, mas o que você é. Portanto, esta é apologética superior: a sua vida”. [10]

Toda honra e glória ao Senhor!

Notas

[1] 
Acredito plenamente que a heresiologia é um ramo da apologética cristã. A apologética consiste em diversos segmentos, e o estudo das falsas religiões e crenças é tão somente um destes segmentos.

[2] KOUKL, Gregory in BECKWITH, Francis J. & CRAIG, William Lane & MORELAND, J.P. Ensaios apologéticos: um estudo para uma cosmovisão cristã. Hagnos. São Paulo, SP: 2006. p.55

[3] RICHARDSON, Alan. Apologética cristã. JUERP. Rio de Janeiro, RJ: 1978. p.17

[4] VAN BAALEN, Jan Karel. O caos das seitas. Imprensa Batista Regular. São Paulo, SP: 1984.

[5] BECKWITH, Francis J. & CRAIG, William Lane & MORELAND, J.P. Ensaios apologéticos: um estudo para uma cosmovisão cristã. Hagnos. São Paulo, SP: 2006. p.10

[6] Bíblia apologética de estudo, 2ªed. Instituto Cristão de Pesquisas. São Paulo, SP: 2005. p.1351

[7] GEISLER, Norman L. Enciclopédia de apologética. Editora Vida. São Paulo, SP: 2002. p.57

[8] McLaren, Brian. Uma ortodoxia generosa. Palavra. Brasília, DF: 2007. p.37

[9] KOUKL, Gregory in Ensaios apologéticos. p.64-65

[10] CRAIG, William Lane. A veracidade da fé cristã. Vida Nova. São Paulo, SP: 2004. p. 305

Fonte: NAPEC

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